2 de abr. de 2011

A outra metade do céu

La Vanguardia (28/03/2011)
Por Juliet Torome

No Quênia, meu país de origem, existe um ditado popular que diz que, quando dois elefantes brigam, quem sofre é o pasto. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que nos numerosos conflitos que a África tem testemunhado nos últimos 50 anos. Na República Democrática do Congo, bandos de saqueadores que se dizem defensores da liberdade, e os exércitos do governo com quem combatem, durante décadas utilizaram a violação como uma arma contra as mulheres indefesas. Mas quando se trata dos esforços para evitar uma crise como a de Ruanda, as mulheres africanas muitas vezes são deixadas de fora. Consideremos os atuais esforços da União Africana (UA) para encontrar uma solução ao impasse político pós-eleitoral na Costa do Marfim. Dos cinco líderes eleitos na reunião de cúpula da União Africana na Etiópia, para coordenar as negociações, nenhum deles era mulher. 

O que é ainda mais ofensivo para as mulheres africanas é que a UA as ignore para escolher em troca homens cujo compromisso com a democracia e os direitos humanos pode ser pior do que a de Laurent Gbagbo, o homem que se aferra à presidência da Costa do Marfim apesar de ter perdido as eleições. Dos cinco homens designados para dirigir a missão para persuadir Gbagbo a deixar o poder, somente dois ―Jakaya Kikwete, da Tanzânia, e Jacob Zuma, da África do Sul― podem-se dizer que chegaram ao poder democraticamente. Os outros três, Mohamed Ould Abdel Aziz, da Mauritânia, Idriss Déby, do Chade, e Blaise Compaore de Burkina Faso, se apoderaram do governo através de golpes, alguns deles de forma violenta. A ironia é muito mais profunda. A UA está cheia de homens que não são mais honestos do que Gbagbo. Meles Zenawi, anfitrião da reunião de cúpula, governou a Etiópia por quase 20 anos e não convenceu ninguém fora do seu círculo de amigos de que as eleições do seu país foram livres e justas. 

Nem se quer Goodluck Jonathan, da Nigéria, que lidera a Comunidade Econômica da África Ocidental (ECOWAS, na sua sigla em Inglês) e respalda a intervenção militar contra Gbagbo, pode sair ileso dessa comparação. Jonathan é presidente da Nigéria hoje porque Umaru Musa Yar Ádua, o seu falecido antecessor, chegou ao poder através daquilo que muitos consideram eleições fraudulentas. 

Enquanto a África está cheia desses homens de passado duvidoso, que aplicam "soluções africanas para os problemas africanos", como dizem, o continente não avançara na solução dos seus problemas. Eu sei que muitos dirão que o grupo de mulheres africanas reconhecidas é limitado à presidenta da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf; à Nobel da Paz Wangari Maathai; à Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra de economia da Nigéria e atual vice-presidenta do Banco Mundial; à Graça Machel, ex-primeira dama de Moçambique e África do Sul, e algumas outras. Poderiam ter razão, mas qualquer uma dessas quatro mulheres seria muito mais eficaz na mediação de conflitos na África do que todos os outros presidentes dos países da UA juntos. 

O problema com a África é que os altos cargos de governo não tem as melhores soluções. Em muitos casos, os de menor escalão, ou mesmo alguém fora do governo, poderiam ser mais efetivo. Às vezes o que a África precisa é de mais sentido comum e gente que esteja disposta a deixar de lado seu orgulho e formular perguntas simples que muitos não querem enfrentar. 

Uma mulher na reunião de cúpula de Adís Abeba, poderia ter perguntado aos que chamam para a guerra, por exemplo, que explicassem como, dado o fracasso à hora de controlar as milícias armadas da Somália, da República Democrática do Congo, da Uganda e de outras partes, planejam derrotar Gbagbo. Uma mulher poderia ter recordado aos que ameaçam a Gbagbo com uma guerra que quando o conflito comece, os homens levarão a luta aos campos de batalha, deixando as mulheres para trás para que se ocupem das crianças. 

Serão as mulheres que então terão que arrumar o pouco que têm e fugir aos países vizinhos que já estão lutando para alimentar aos seus próprios filhos. E serão as mulheres que vão ser violadas, mutiladas e assassinadas, como pode ver o mundo recentemente, em Abidjan, a capital da Costa do Marfim, quando as forças de Gbagbo massacraram sete mulheres durante um protesto pacífico. 

Se as mulheres tivessem estado a cargo da UA, teriam sabido que o machismo dos homens africanos não permite que esses se sintam abalados por ameaças de conflitos violentos. Como disse Thomas Sankara, o homem ao que Compaore lhe tomou o poder em 1987 para se tornar presidente de Burkina Faso, "as mulheres levam sobre os seus ombros a outra metade do céu". Infelizmente, os homens da UA nos marginalizam, e o céu da Costa do Marfim parece querer cair outra vez. 

Um comentário:

  1. Infelizmente as mulheres ainda sao desvalorizadas e o mundo sequer toma conhecimento das barbaridades.

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