9 de abr. de 2010

Conflito racial na África do Sul

Por Fábio Zanini



VENTERSDORP (ÁFRICA DO SUL) – É verdade que a África do Sul escapou de implodir em uma guerra civil logo que o apartheid acabou, mas não é fato que a transição tenha se dado de maneira indolor.

O período de 1990 a 1994 foi de conflito e massacres, nos quais morreram centenas de pessoas. De um lado, uma minoria branca temerosa de perder o poder e ainda com as forças armadas na mão. Querendo a criação de uma “pátria branca”, separada dos negros.

De outro, a maioria negra, ainda sem a força das armas pesadas, mas cada vez mais assertiva e disposta a fazer valer sua superioridade numérica.

No meio, polícia e muito arame farpado.

Tudo isso parecia consignado aos livros de história. A África do Sul de 2010 ainda está longe de uma harmonia perfeita, mas avançou muito no convívio racial.

Ontem, porém, o arame farpado voltou, na cidadezinha de Ventersdorp, a duas horas e meia de viagem de Johannesburgo.

Chega-se lá por estradas vicinais sem acostamento, atravessando belas fazendas de milho e criação de gado. Quase todas de propriedade dos bôers, os fazendeiros africâners (descendentes de holandeses).

Os dois mundos, negro e branco, se encontraram em frente ao fórum da cidade, um prosaico edifício de telhado zinco verde, num pacato lugarejo com não mais do que 10 mil habitantes. Vieram fazer vigília no dia da aparição em corte dos dois acusados (negros) pelo assassinato de Eugene Terreblanche, líder de uma facção radical branca, o AWB.

O AWB já foi bastante influente, mas hoje não passa de uma relíquia, um amontoado de viúvas do apartheid. Não importa. Ontem, figuras do passado espanaram o pó de roupas e bandeiras e foram à luta.

Cerca de 200 africâners estavam lá, indignados com o crime. A antiga bandeira tricolor da África do Sul (azul, laranja e branco), da era do apartheid, estava em todo o canto.





Alguns estavam vestidos para a guerra, com camisas e calças camufladas. Um grupo de quatro sujeitos mal-encarados num canto cortou na hora meu pedido de entrevista, de forma ameaçadora.

Outros usavam o uniforme da AWB, cujo símbolo tem clara inspiração nazista, como você pode perceber na foto abaixo, de uma senhora de 73 anos e seu neto de 13. São três números “7” pretos sobre um fundo vermelho, imitando a suástica. A explicação oficial é que o grupo foi fundado por sete pessoas.


Havia também muita indignação contra o governo. O assassinato de Terreblanche, ao que tudo indica, foi por causa de uma disputa trabalhista com empregados em sua fazenda. Mas tudo na África do Sul ganha contornos políticos. Por uma coincidência infeliz, alguns dias antes, uma ordem judicial proibiu membros do partido governista, o Congresso Nacional Africano, de cantar uma antiga música dos tempos do exílio cujo refrão diz nada menos do que “shoot the boer” (atire no boer).

Esse fazendeiro protestou, numa referência aos cerca de 3.000 boers assassinados desde 1994.




O cartaz diz: “Caça a fazendeiros. Licenças grátis emitidas pelo ANC [o partido do governo]"
E os negros?

Também estavam ali às centenas, abertamente felizes com a morte de Terreblanche, aplaudindo os dois suspeitos e os chamando de heróis. O AWB sempre foi odiado por eles.

Para não haver pancadaria, a polícia teve que separar os dois grupos por uma barreira de dois metros de altura de...arame farpado.




Uma decisão justificável do ponto de vista da segurança das pessoas, mas simbolicamente deprimente.

Outro simbolismo não passou despercebidos. Alguns negros acompanharam a movimentação de cima de um monumento honrando três membros do AWB mortos num confronto em 1991.


O dia terminou calmo, mas a tensão permanece. Por enquanto não houve onda de violência, e acho difícil que aconteça. Mas a África do Sul “nação arco-íris”, orgulhosa sede da Copa do Mundo em pouco mais de 60 dias, não poderia estar mais distante ontem em Ventersdorp.






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